Eritema Multiforme ou Polimorfo
20/05/2025
Descrito por Hebra em 1860, o eritema multiforme (EM) representa um quadro agudo, autolimitado de máculas, placas urticarianas ou pápulas eritematosas simétricas, onde algumas evoluem para lesões em "alvo" ou "íris". O envolvimento de membranas mucosas é freqüente e etiologicamente está mais relacionado com o herpes simples recidivante.
Epidemiologia. O EM é relativamente comum. Pode ser observado em qualquer faixa etária, com predomínio entre adolescentes e adultos jovens. A idade média de início é entre 20 e 40 anos, com 20% dos casos ocorrendo em crianças. O eritema multiforme é mais comum em homens do que em mulheres, com uma proporção de 1 em 5. A prevalência é desconhecida, mas parece estar bem abaixo de 1%. Costuma ser recorrente em 30% dos casos (especialmente se associado a HSV). Não há predominância de sexo ou raça.
Etiopatogenia. O EM expressa um modelo reacional multietiológico da pele onde ocorre um ataque imunológico mediado por células sobre os queratinócitos expressando antígenos não-próprios. Esses antígenos são predominantemente vírus (HSV-1 e HSV-2), sendo o HSV-1 o principal gatilho. Menos frequentemente é desencadeado por drogas como penicilina, sulfonamidas, anticonvulsivantes (fenitoína) e AINEs. Outras causas menos frequentes são HIV, vacinas, exposição à radiação, dermatite alérgica de contato, sarcoidose, menstruação e doenças autoimunes (raro). Aproximadamente 90% dos casos de eritema multiforme são causados por infecções (virais, bacterianas ou fúngicas), sendo o vírus herpes simplex o culpado mais comum. Além disso, foi recentemente encontrada uma forte associação entre a vacina contra a COVID-19 e o eritema multiforme. Outras causas virais incluem adenovírus, vírus Coxsackie B5, citomegalovírus, enterovírus, ecovírus, vírus das hepatites A, B e C, influenza, sarampo, caxumba, parvovírus B19, poliomielite e vírus varicela-zóster. Doenças autoimunes (por exemplo, lúpus eritematoso sistêmico) também estão associadas ao eritema multiforme, causando particularmente uma síndrome típica, porém rara, chamada síndrome de Rowell. Outra causa comum de eritema multiforme, particularmente em crianças, é a infecção por Mycoplasma pneumoniae. Outras causas bacterianas incluem borreliose, doença da arranhadura do gato, difteria, legionelose, estreptococos hemolíticos, estafilococos, lepra, salmonelose, Neisseria meningitidis, complexo Mycobacterium avium, pneumococos, tuberculose, complexo Treponema avium, Treponema pallidum, tularemia e infecções por riquétsias. O orf, Histoplasma capsulatum e o EBV estão relacionados ao EM em alguns casos.
O emprego de técnicas de hibridização in situ e reação em cadeia da polimerase têm demonstrado a presença do DNA viral nas células epidérmicas das lesões de EM em 90% destes pacientes. Antígenos HSV-específicos são encontrados em pele lesional, através da imunofluorescência e imunohistoquímica e a maioria dos pacientes com EM recorrente são soropositivos para HSV. Porém, nem sempre é possível se determinar o fator desencadeante e em até 50% dos casos não se estabelece relação com qualquer agente causal. Não há relação entre EM e câncer ou infecção pelo HIV. Há quadros EM-like que representam sensibilização de contato a sulfas, anti-histamínicos e outras substâncias.
Manifestações clínicas. Os achados clínicos são variáveis, porém costumam ser monomorfos em um determinado paciente. A erupção costuma ser simétrica, apresentando inicialmente distribuição acral na superfície extensora das extremidades. Surge de forma aguda, geralmente sem pródromos, com quase todas as lesões aparecendo dentro de 24 horas e, completamente em 72 horas. Geralmente mais de 100 lesões são vistas num mesmo paciente e tornam-se fixas pelo menos por 7 dias. Geralmente, as lesões permanecem localizadas em um único local e cicatrizam em 7 a 21 dias. A lesão característica é constituída por pápula ou placa circular eritematosa, que se expande perifericamente, mostrando atividade inflamatória na periferia, enquanto o centro se torna purpúrico, originando lesões anulares concêntricas de diferentes tonalidades. Ocasionalmente surge vesícula ou bolha no centro da lesão, resultando na clássica lesão em alvo ou íris. As lesões são arredondadas e regulares, com três círculos concêntricos e bordas bem definidas. O anel periférico é eritematoso, às vezes microvesicular; a zona média é frequentemente mais precisa, edematosa e palpável e, o centro é eritematoso, coberto por uma bolha central com anel marginal de vesículas (herpes íris de Bateman).
As lesões geralmente medem menos de 3 cm e sua localização é predominantemente acral. São simétricas nas palmas e dorsos das mãos, nos pés e nas superfícies extensoras dos membros. O tronco é frequentemente poupado, mas a face e as orelhas podem ser afetadas. Lesões típicas não apresentam prurido. Normalmente, há um limitado número de bolhas e o destacamento epidérmico raramente supera 3% da superfície corporal, nunca ultrapassando os 10%. Normalmente, as lesões são assintomáticas ou se acompanham de ardor ou prurido discretos. As mucosas podem estar envolvidas. Lesões mucosas são vistas em até 70% dos pacientes, quase exclusivamente na cavidade oral, representadas por enantema, vesículas e erosões dolorosas. O envolvimento significativo da mucosa diferencia o eritema multiforme maior do multiforme menor.
A evolução é benigna, com regressão das lesões sem seqüelas em 1 a 3 semanas. O fenômeno de Koebner não é incomum e a piora com a exposição ao sol é bem estabelecida no EM. Recidivas são comuns, principalmente naqueles que usam imunossupressores como corticoides orais, onde se observam de 5 a 6 episódios por ano. Resolução em 2–6 semanas. Cicatrização sem marcas (a menos que haja infecção secundária).
Diagnóstico. EM é um diagnóstico clínico e não, histológico. Deve ser diferenciado da urticária gigante, urticária vasculite, LES, penfigoide, doença de Kawasaki, granuloma anular, eritema anular centrífugo e várias formas de vasculite. Em caso de dúvida o exame histopatológico e a imunofluorescência permitem a diferenciação. Histologicamente, caracteriza-se por alterações de interface, com achados na derme superior e epiderme. Observa-se edema na derme papilar, vasos ectásicos e infiltrado perivascular, predominantemente linfocitário e em alguns casos vasculite cutânea mediada por imunocomplexos (vasculite leucocitoclástica). Na epiderme pode haver degeneração vacuolar com necrose eosinofílica de queratinócitos individuais, degeneração da basal e formação de fendas juncionais ou subepidérmicas. Os achados da imunofluorescência não são específicos. Depósitos de IgM e C3 são eventualmente encontrados nas paredes dos vasos. Testes para HSV (PCR/sorologia) ou Mycoplasma. Radiografia de tórax: pode mostrar infiltrado radiológico intersticial (principalmente no eritema multiforme devido a Mycoplasma pneumoniae).
Tratamento. Nos casos localizados, sem repercussão sistêmica, indica-se tratamento sintomático, podendo ser empregados antissépticos locais e corticoide tópico associado ou não a antibiótico. O tratamento tópico para eritema multiforme inclui antissépticos para lesões bolhosas, enxaguatórios bucais antissépticos e agentes anestésicos para o alívio da dor. Vaselina para os lábios e pomada de vitamina A para os olhos auxiliam na cicatrização, principalmente em casos de envolvimento da mucosa. Oftalmologistas desempenham um papel fundamental no manejo de quaisquer complicações oculares. A hospitalização pode ser necessária em casos de dor intensa, desidratação ou dificuldade para comer. Embora corticosteroides sistêmicos e imunoglobulinas intravenosas tenham sido explorados, evidências limitadas comprovam sua eficácia. O monitoramento diário é essencial para pacientes com lesões extensas, a fim de acompanhar a evolução e tratar prontamente quaisquer complicações.
Anti-histamínicos orais por 3 a 4 dias podem ser necessários. Quando há suspeita de etiologia herpética pode ser utilizado o aciclovir (10mg/Kg/dia VO ou valaciclovir 500 mg duas vezes ao dia ou famciclovir 500 mg duas vezes ao dia por pelo menos 6 meses, que entretanto podem não modificar o curso depois de iniciado o processo. A terapia preventiva é indicada, em teoria, para pacientes com mais de 5 surtos de eritema multiforme por ano ou menos no caso de formas graves. Quando existe a possibilidade de origem bacteriana ou quando ocorre infecção secundária está indicado o uso de antibióticos sistêmicos. Caso não haja resposta ao tratamento pode-se tentar dapsona, antimaláricos, talidomida ou azatioprina. Não há suporte para o uso oral do corticóide no EM. É controverso. Pode ser usado por curto prazo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Hafsi W, Badri T. Erythema Multiforme. 2024 Oct 29. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan–.PMID: 29261983
2. Trayes KP, Love G, Studdiford JS. Erythema Multiforme: Recognition and Management. Am Fam Physician. 2019 Jul 15;100(2):82-88.
3. Soares A, Sokumbi O. Recent Updates in the Treatment of Erythema Multiforme. Medicina (Kaunas). 2021 Sep 1;57(9):921
4. Bennardo L, Nisticò SP, Dastoli S, Provenzano E, Napolitano M, Silvestri M, Passante M, Patruno C. Erythema Multiforme and COVID-19: What Do We Know? Medicina (Kaunas). 2021 Aug 16;57(8):828.
5. Lakshmipathi L, Singh Y, Karunanandhan M. Erythema Multiforme Secondary to Mumps. Am J Trop Med Hyg. 2025 Feb 4;112(4):918-920.





























